terça-feira, 2 de julho de 2013

QUAL O TAMANHO DO GIGANTE QUE ACORDOU?


Antes de tudo: Estou orgulhoso de escrever sobre um novo começo para o Brasil. A população conseguiu algo de uma dimensão que ainda não temos a proporção exata, mas que é do tamanho do gigante que acordou. Aliás, qual o tamanho do gigante que acordou? Quase não temos essa dimensão, pois tudo aconteceu tão rápido que as noticias, e até mesmo a forma que a imprensa lhes transmitia, mudavam de um dia para o outro. 

Muita coisa aconteceu nas últimas semanas, e para que se possa olhar para o futuro creio que seja importante fazê-lo olhando a força e a importância do que a população vem conseguindo, mas que não tem o merecido destaque por conta da velocidade dos acontecimentos. E para termos dimensão desse momento, creio que os muitos fatores vividos nos últimos dias precisam ser abordados não separadamente, mas em conjunto. Aposto que esses protestos muito em breve renderão livros, mas tentarei responder a pergunta que intitula essa coluna em um texto (sim, hoje o texto será maior que o habitual, espero fazer a leitura valer a pena). Desde já peço desculpas por itens que eu venha a esquecer. Fiquem a vontade para usar a caixa de comentários para acrescentar, o intuito dela é esse. 

Esse momento representa uma virada de página sem precedentes quando olhamos quantas coisas ficaram para trás, sendo uma delas muito clara: A troca de status que estava em um dos cartazes que dizia "Saímos de Deitado eternamente em berço esplêndido para Verás que um filho teu não foge à luta". Mas essa mudança não veio do nada, ela possui algumas origens. A principio destaco três fatores que destrincharei em seguida: 

Primeiramente o fato de não se aceitar passivamente mudanças absurdas no valor das passagens no transporte público. Seguido disso, a sagacidade de aproveitar o momento excelente propiciado pela Copa das Confederações. E por fim, o uso correto das redes sociais, não no intuito de protestar, mas ao propagar informações como o bom uso do vinagre, por exemplo, e convocar mais gente. Somado a esse bom uso das redes sociais, o fato da voz que saiu da internet dobrar a língua da grande mídia que falou muita bobagem no começo, através de senhores como Arnaldo Jabor, por exemplo.

O combate ao aumento passagens de ônibus foi um belo estopim para mostrar a força do que estava acontecendo. Fazendo uma breve retrospectiva, vale lembrar que a origem disso tudo foi a "Revolta do Buzu", ocorrida em Salvador no ano de 2003. Ela serviu de inspiração para a criação do Movimento Passe Livre (MPL) em Porto Alegre, em 2005. Por falar na capital gaúcha, foi lá que tudo começou, ainda no mês de março, com o aumento das passagens que foi revogado após muita pressão popular e que deve ter uma nova baixa ainda nessa semana. 

Pedindo paz, manifestantes de São Paulo oferecem
flores aos policiais. (Foto: Rodrigo Soares/Brasil de Fato)
Voltando a São Paulo, as manifestações pós-aumento da passagem foram um ótimo estopim para o que o país vive hoje, pois foi lá que os políticos tiveram que ceder pela primeira vez, após o governador Geraldo Alckmin ter menosprezado os protestos dizendo que era um "grupo pequeno". Talvez até fosse, mas a ação dele ao colocar a Polícia de Choque reprimindo ações pacíficas gerou o efeito inverso. As bombas de gás lacrimogênio, o spray de pimenta e as balas de borracha do governo paulista não dispersaram os cidadãos paulistanos, mas convergiram a população brasileira.

Alguns protestos no país se solidarizavam com os manifestantes de São Paulo, mas para mim quem consolidou esse momento de 'Somos contrários a tudo que está imposto' foi a cidade de Brasília ao meio-dia de 15 de junho, poucas horas antes da estreia do Brasil na Copa das Confederações, num claro manifesto contra o evento, indo além da solidariedade a São Paulo. Lembro-me que naquele momento as emissoras afiliadas à Globo exibiam suas programações locais, que foram interrompidas em todo país para transmitir o protesto. 

Aquele instante mostrou para todos (não apenas para quem tem facebook) que os protestos não eram apenas pela passagem em São Paulo, mas que iam contra ações corruptas como a construção do bilionário e inútil Estádio Nacional de Brasilia, feito para uma cidade sem grandes clubes e que ficará deserto após a Copa do Mundo. Além disso, como os manifestantes deixavam os torcedores entrarem tranquilamente, o país entendeu que tudo poderia ocorrer pacificamente. O resultado foi cerca de 270.150 pessoas na rua na segunda-feira seguinte, segundo apuração do portal G1 com base em dados oficiais (ou seja, deve ter tido mais gente).

Foto: Lucas Coutinho
E por falar em Copa das Confederações, vi pessoas nas redes sociais nos últimos dias, e especialmente durante a final, criticando aqueles que se manifestaram e assistiram aos jogos, como se uma coisa invalidasse a outra. Creio que estabelecer essa relação seja um erro. Na minha visão o gigante não apenas acordou como amadureceu, por não apenas por ter criticado os eventos Fifa em seus protestos, como também ao colocar aquilo em completo segundo plano. O futebol deixou de ser um motivo de distração popular. Exemplos que provam isso são muitos:

Logo na estreia a presidenta Dilma Rousseff e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, tomaram uma vaia do tamanho da roubalheira da entidade que manda no futebol mundial. Graças a isso, ela ficou assistindo a decisão pela TV e não se aproveitou politicamente, por exemplo, ao entregar a taça à Seleção Brasileira. Além disso, Ronaldo virou chacota nacional após ressuscitarem aquele vídeo em que ele fala que não se faz Copa do Mundo com hospital. Pelé foi destronado. Como dizia um cartaz que vi, de "Rei do futebol virou Bobo da Corte". O foco se desviou de forma tamanha que teve até jogo que a Globo deixou de transmitir para passar as manifestações. Por fim,  na cerimônia de encerramento uma corajosa faixa contra a privatização do Maracanã. A Copa das Confederações seria destaque durante quinze dias, mas foi por apenas 90 minutos. Quer mais que isso?

Junto com os cartazes contra os eventos da Fifa, vieram outros, de diversos movimentos e pessoas que iam sem fazer parte de nenhum deles, criticando a corrupção no país e pedindo educação, saúde, segurança pública, queda da PEC 37 e do Ato Médico, saída de Marco Feliciano e Renan Calheiros. 'Mas não há foco, pedem muitas coisas!', dizem os críticos. Penso eu: Que ótimo! Isso significa que a sociedade de fato está envolvida, não é um grupo especifico, mas um coletivo que traz diversos interesses que podem melhorar o país. Além de quê, se existem muitos fatores citados isso significa que temos muitos problemas, vivemos uma desigualdade social enorme. O "X" da questão não é a quantidade de problemas apontados, é encontrar a solução deles.

A tentativa da polícia paulista de impedir os manifestantes
de se protegerem dos efeitos do gás lacrimogênio com
vinagre virou piada na internet.
Conscientes disso ainda argumentaram: 'Ah, mas eles não tem líderes!' E eu pergunto: Líderes para quê? Politizarem os atos e derrubarem o apartidarismo que foi conquistado após muitos gritos de "Sem partido!" nas manifestações? Aliás, nesse momento algum líder é capaz de segurar as demandas do país inteiro nas costas? A política arcaica está desesperada pois vê que um dia o poder escapará completamente, pois quem mandará por completo será a população. Presidentes, senadores, deputados e companhia serão o que sempre deveriam ter sido: Representantes! Funcionários da população e subservientes aos desejos dela. O que sempre chamaram de utopia agora já é uma considerável possibilidade.

POLÍCIA, IMPRENSA E POLÍTICOS: O MEDO MUDOU DE LADO

Algo mudou, ou pelo menos começou a mudar, com relação a ação policial em protestos. As duas imagens abaixo são as capas do jornal The New York Times, a publicação mais importante do mundo, e são um claro retrato disso. Na primeira imagem, a artista plástica e poeta Liv Oliveira, 23 anos, é atacada, no Rio de Janeiro, por um terrorista fardado que lhe jogou spray de pimenta como se jogasse baygon numa barata. Na segunda, o juiz aposentado Silvio Mota, 63 anos, discute com os policiais após sua esposa ser afetada com os efeitos de bombas de gás lacrimogênio no entorno do estádio Castelão, em Fortaleza, em dia de jogo do Brasil. Aos policiais, que se escondem dele na imagem, Silvio disse "Sou brasileiro com muito orgulho, com muito amor".


Apesar de claramente a prepotência policial não ter mudado por completo de uma hora para outra, até por eles serem mal treinados e remunerados, a grosseria diminuiu. Já vimos até policiais recomendarem em megafones que manifestantes se afastassem de vândalos. Para quem tratou os dois da mesma forma já é um avanço. O que continua na mesma é o tratamento criminoso que vem sendo dado aos mais pobres, independente de quem é honesto e quem é bandido.


Uma imagem que não pode ser esquecida: em meio aos
manifestantes,  um carro oficial do Governo da Bahia atirou
para o alto.  Não se pode esquecer também, inclusive nas
urnas, como  o governo baiano agiu de modo que lembrava a
ditadura, com policias trabalhando sem identificação,
manifestantes  sendo ameaçados após registarem os erros
da PM e até mesmo  profissionais de imprensa sendo atingidos
por balas  de borracha até sendo presos por questionarem
atitudes erradas da polícia militar.
No dia 24 de junho, uma segunda-feira, sob o pretexto de aquelas pessoas realizavam arrastões, dez moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, foram mortos por polícias do Bope. Dizem que três eram inocentes, mas não importa quem é quem. O que vale é que o gás lacrimogênio que ardeu meu olho ou as balas de borracha que atingiram outras pessoas que estavam nas manifestações, por acertarem gente de classe média não podem ofuscar quem levou tiro de arma de fogo por ser pobre. A polícia tem que mudar de atitude com todos. Os protestos daqui para frente precisam brigar por isso também.

A imprensa também mudou de postura. Se no principio tudo resumia a telejornais dando pouco destaque, ao falar principalmente dos vândalos e não citar a maioria pacifica e suas causa. Agora o discurso mudou e o JN repete cansativamente "O protesto seguia pacífico quando alguns poucos vândalos mancharam o que acontecia ali". O que mais me surpreendeu foi o Globo Repórter sair de seu ping-pong entre a savana africana e os alimentos que fazem bem à saúde para fazer um ótimo programa sobre os protestos. Me chamou atenção também alguns programas policiais, que habitualmente são sensacionalistas para conquistar a audiência de pessoas com menos instrução, fazerem boas coberturas e análises, o que prova que quando querem podem  sim fazer algo popular sem sensacionalismo.

A nota triste fica por conta dos carros de reportagem queimados em algumas cidades, e do que aconteceu com profissionais como Caco Barcellos, reconhecido por ser defensor dos direitos humanos e denunciar abusos da policia no livro Rota 66, e foi expulso de uma manifestação. Ainda é preciso entender que mesmo que algumas empresas de comunicação tenham condutas reprováveis, deve-se aproveitar quando elas lhe dão o microfone e lhe propiciam a possibilidade de outras pessoas se identificarem com sua causa. 

Foto: ABr
Mas sem dúvida quem mais está com medo são os políticos, especialmente aqueles que estão no poder. A emblemática imagem de 17 de junho, quando os manifestantes subiram no teto do Congresso Nacional está se transformando em realidade na prática, o que acontece ali está começando a ser ao nossa favor. A PEC-37 caiu e várias outras votações serão feitas unicamente porque o povo despertou. Os políticos estão com muito medo de perderem o poder para a nova política que surge. Até mesmo figuras controversissímas (acabo de inventar uma palavra) como o senador Renan Calheiros vem mantendo uma postura de quem está atento ao que acontece e tenta demonstrar atitudes. Ele prometeu recentemente que diversos projetos  que foram citados pela população serão votados nessa e na próxima semana.

Além do Congresso Nacional, os olhos do país estão voltados principalmente ao que faz e fará a presidenta Dilma, que nunca é demais lembrar: Demorou muito para se pronunciar e não foi convincente em nenhuma das vezes que se dirigiu ao país. Em uma delas, durante reunião com os governadores, saiu até com uma proposta maluca de constituinte exclusiva reforma politica, o que é inconstitucional. 


No seu pronunciamento em cadeia de rádio e TV em 21 de junho, dia seguinte aos protestos colocarem mais de um milhão de brasileiros na rua, Dilma parecia insegura ir se balançar durante os dez minutos em que falou ao país. Dias antes, em outro sinal de insegurança, ela já havia saído de Brasilia para ouvir seu mentor, o ex-presidente Lula, que atualmente está na Etiópia. Na reunião com os governadores, ela propôs um pacto com à nação baseado em cinco itens:

O primeiro foi com relação à Responsabilidade Fiscal, onde assegura que os governos e prefeituras tomarão cuidados para garantir a estabilidade econômica do país e controle da inflação. Isso é tão obrigatório que nem deveria ter entrado, vai ver ela quis arredondar. Seguiu com um pacto sobre o transporte público, com investimentos de R$ 50 bilhões que podem ser utilizados pelas prefeituras e governos nas obras de mobilidade, que por sua vez ainda são as mesmas que já haviam sido prometidas para a Copa do Mundo. 

Dilma propôs também a contratação de médicos estrangeiros, mas assegurando a prioridade aos brasileiros, além do aumento de vagas nos cursos de medicina.  Um outro pacto foi relacionado a educação, propondo destinar a esse setor os 100% dos royalties do petróleo (dinheiro que ainda vai demorar muito para sair). A proposta da população de garantir 10% do PIB para a educação não entrou. Reparem que saúde e educação ficam sem nenhum projeto que pelo menos amenize de modo imediato o caos que vivem, como se fossem setores que pudessem esperar.

O item que deixei pro final ganhou um novo capitulo hoje, dia 2. A presidenta mandou uma mensagem para o congresso sugerindo que o plebiscito de reforma politica, proposto por ela, tenha os itens abaixo para a análise da população:

Imagem: TV Senado
Sinceramente? Não vejo nada aí que não possa ser votado de imediato no Congresso Nacional. O plebiscito só pode ser votado a partir de 8 de setembro, segundo o Superior Tribunal Eleitoral. Isso significa que após a aprovação da população não haverá tempo de senadores e deputados  aprovarem tudo antes de outubro. O que isso significa? Tudo só entraria em vigor nas eleições municipais de 2016, pois as mudanças feitas para uma eleição só valem se criadas um ano antes do pleito. O que for votado por eles poderia ser aprovado ou não pela população num referendo junto com as eleições do ano que vem, o que evitaria o gasto de R$ 560 milhões com os custos de um plebiscito ou referendo.

E aqui concluo meu texto (obrigado a você que leu até aqui, eu sei que escrevi muito): Além das passagens de ônibus que abaixaram, ainda não existem mudanças que influenciem diretamente em nossas vidas. Aproveitemos o espirito de liberdade trazido pelo Dois de Julho, e continuemos nas ruas. Apesar das mudanças de atitude que quem ainda tem o "poder formal" em mãos, os desejos que mudam o rumo do país ainda não foram alcançados. 

Por tudo que citei nesse texto, não tenho dúvida de que se os protestos se fortalecerem novamente, assim como estavam no final de junho, certamente teremos um país novo. Quando falamos que "O Gigante Acordou" não mentimos em nenhum centímetro, mas esse gigante precisa continuar olhos abertos, sem bocejos e focado num futuro que ele está muito perto de alcançar. #OGigantePodeCrescer

                           

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